A preguiça “Hakuna Matata”
“Hakuna Matata! É lindo dizer!”.
Só para estimular a memória, um trechinho da música: “Os seus problemas, você deve esquecer. Isto é viver! É aprender! Hakuna Matata!”. Salvo engano, em português dublou-se como Hatuna Matata, enfim…. Certamente, a maioria dos que chegaram a este texto cantaram mentalmente essa canção, que fez parte da infância da geração dos anos 90 e posteriores, sobretudo, com o relançamento do filme O Rei Leão.
Nele, dois personagens que ganharam a simpatia e, poderíamos dizer, ofuscaram o personagem principal. Trata-se de Timão e Pumba, o suricate e o javali que encontram o leãozinho Simba, perdido no deserto. Tão logo se dá o encontro, a dupla ensina o hino dos bon vivants: Hakuna Matata. Uma pena que a versão em português prejudique um pouco a filosofia trazida pelos exóticos animais.
A tradução literal do trecho citado acima é: “Significa sem problemas, pelo resto dos seus dias. Essa é nossa filosofia sem-problemas! Hakuna Matata!”. E é sobre isso que tentaremos refletir. E o que isso tem a ver com preguiça?
Pois bem. Viver é uma dura tarefa. Nos dizeres de Édouard Maunevrier, citado por Jules Payot em A Educação da Vontade, é “a cansativa honra de agir e viver”. Assim, ter a faculdade do respiro e do comer e do falar e do pensar e do ter lícitos prazeres ativos sempre implicarão um pequeno esforço e um “aborrecimento”.
Tais coisas requerem a saída de um estado de repouso para o de movimento que, necessariamente, requer um gasto de energia, de fôlego, etc. Sem esses pequenos “aborrecimentos” o dia é desperdiçado e, consequentemente, não se dá o valor ao tão precioso dom da vida. E isso dizemos à respeito daqueles que, podendo realizar tais atividades, preferem adotar essa atitude frouxa e sem vida: “sem problemas”.
Dias sem problemas podem, muitas vezes, indicar um descomprometimento com a própria existência, de modo que o sujeito arrasta-se como uma lesma (símbolo do pecado da preguiça), abrindo mão de desfrutar dos dons concedidos por Deus e fazendo mau uso dos talentos recebidos.
No filme O Rei Leão, Timão e Pumba ensinam sua filosofia sem-problemas a Simba, mostrando o modo mais adequado de vida. Tal estilo de vida consiste num abandono completo do passado, das raízes, das durezas do dia-a-dia, dos confrontos interpessoais e dos próprios projetos pessoais, para viverem numa espécie de paraíso terrestre, cujo alimento são apetitosos insetos gosmentos, fofinhos, crocantes, que podem ser encontrados debaixo de troncos apodrecidos. Assim, o carnívoro se torna insetívoro, o leão vira um arremedo de suricate. É a preguiça de encarar a vida. A preguiça de crescer.
O livro dos Provérbios tem maravilhosos ensinamentos sobre a preguiça, destacamos aqui Pr 26, 13.15.: “Diz o preguiçoso: ‘Há uma leoa no caminho, um leão pelas praças!’ O preguiçoso enfia a mão no prato, mas sofre para levá-lo à boca”. Ora, o preguiçoso arranja desculpas para se desviar de seu destino. Empreende tempos preciosos em justificar sua inércia e fazer da sua vida um paraíso de inatividade e dependência dos outros. Seu sofrimento é por ele mesmo causado, uma vez que coloca pesos desmedidos naquelas ações ordinárias, naturais a todo o ser humano que decidiu arriscar-se na “aventura da vida”. É a pessoa cuja frase No pain no gain (Sem dor não há ganho) só serve para enfeitar camisetas.
Se por um lado Pr 30, 15 fala dos gananciosos, creio que também se poderia dizer dos preguiçosos: “A sanguessuga tem duas filhas: ‘Dá mais!’, ‘Dá mais’. O preguiçoso prefere receber o pronto do que o realizar por si mesmo; prefere pedir o sangue alheio, devagarinho, de uma vítima desavisada do que empreender a caçada trabalhosa do próprio alimento. Ao encontrar tal hospedeiro, o anestesia, e permanece ali, quieto a usufruir daquilo que não plantou, construiu ou buscou. Sem problemas.
Esquecer os problemas, como ensinam Timão e Pumba, tem consequências. Isso porque, alguém só teve o privilégio de esquecer seus próprios problemas porque outros tiveram de assumi-lo; ou ainda, quem se deixa levar por tal doutrina, abre mão do arbítrio da vida que lhe pertence, para viver uma vida medíocre, insetívora, do leão que come musgo enquanto sua casa pega fogo e os seus passam fome.
A expressão Hakuna Matata, cumpre fazer justiça, é uma expressão da lingua suaíli falado nos países da África Oriental como, Quênia, Ruanda, República Democrática do Congo, Uganda, Madagascar, etc. Lá Hakuna Matata é tão comum quanto o “tudo bem, sem problemas”, no português, ou o “ok”, no inglês, que lhe são expressões equivalentes. O filme da Disney tornou algo tão simples num modo de vida já comum entre muitos das novas e antigas gerações. De arrepiar os cabelos — se é que tinha algum- de São Paulo (cf. 2Ts 3, 7–12).
O certo é que o espírito Hakuna Matata assombra a muitas vocações, profissionais, gente comum, que decidiu abrir mão da vida, para viver o caos pacífico e remansoso do vazio existencial do não-fazer, do irenismo, do marasmo improdutivo, também conhecido como ócio, especialmente no meio acadêmico.
Deus nos livre dessa frouxidão espiritual e moral, pois isso significaria, sem dúvidas, Hapana Iko Matata, isto é, há problemas.